Monday, December 29, 2008

A luz em ti. Escuro, mas a luz sobre ti. Sobre o teu corpo envolto pela música que te toca suavemente na pele, num gesto apaziguante da vida que se vai espetando na alma. As estrelas sabem que a vida só melhora ao fim de semana quando sais para dançar. A liberdade de o tempo ser a música que o teu corpo acompanha. A mão que se ergue pelo cotovelo dobrado, realçando-te a silhueta. Os olhares anónimos que te cercam, e a luz sobre ti. O mundo é a música que o teu corpo dança.
A valsa indica o fim. Quando dela se ouvir a última nota os pêndulos dos relógios voltarão a ditar o tempo, a cidade erguer-se-à do alcatrão e a vida voltará com toda a sua rudeza implacável. O fresco da manhã é o prenúncio da sua aspereza. Resistes, como se adia minuto a minuto abandonar um corpo que se ama. Sentir a manhã a arrefecer-te o corpo é um acto de coragem. Vivendo, não há como fugir à vida.
Regressas. Pousas a cabeça sobre a almofada branca. Tentas enganar o cansaço nesse corpo esgotado. Não dormes. As memórias, como pedras atiradas esmagam-te a cabeça. E os sonhos que a vida transformou em utopias, abrem-te uma ferida no peito. A impotência. Como ver um membro amputado que não voltará a crescer, como a vida que não tornará a nascer. Estendes o braço e do outro lado da cama sentes o frio dos lençóis na palma da tua mão. A música remedeia-te o vazio mas não o preenche, e as estrelas sabem que a vida só melhorará no próximo fim de semana...

Sunday, December 28, 2008

O paquistanês sentou-se no banco de trás do carro e colou-nos ao ouvido o telemóvel que debitava uma música muito na moda nas melhores discotecas do país. Eu não vou às melhores discotecas do país e aquela música feria-me os ouvidos. O CD que tínhamos escolhido soava tímido, quase imperceptível por detrás dos beats e remixes. Era já dia e a luz vermelha do semáforo contrastava com o cinzento do céu. Íamos para tua casa.
Por entre copos de vinho tinto entornado e cigarros, o paquistanês olhou para a palma da nossa mão direita. Sentados num tapete que não voava, quisémos saber do futuro, reiterar a esperança de alcançar a insubordinada felicidade da alma. A outra felicidade, a do corpo, tinha acabado de passar por nós, enquanto dançávamos. É uma felicidade fácil é certo, e talvez por isso, insuficiente.
Quando voltei, o cinzento do céu escorria para a cidade. Deitei o meu corpo cansado na cama fria e adormeci com a solidão. A cor que vejo por detrás da janela é aquela que está por baixo dos meus olhos. Está tudo tão calmo que penso que eu e tu somos as únicas pessoas nesta cidade.
Juntei o dia com a noite. Acordei quando toda a gente vai dormir e tenho o cheiro do tabaco no nariz e o vapor do álcool na garganta. Lá fora, um nevoeiro branco ocupa o espaço vazio entre os prédios. Era domingo.

Thursday, December 18, 2008

A vida é uma sucessão de dias suportados pela ilusão de que amanhã se vai ser feliz.

Wednesday, December 10, 2008

Ouço-te e lembro-me de mim. Reconheço nas tuas palavras a inocência de que as coisas são imutáveis e que duram para sempre. É um rapaz novo, indubitavelmente.

Monday, December 1, 2008

O meu corpo sepultado na minha própria cama. Eu quase morta. Apenas uma leve respiração e um fraco batimento do coração. Eu sepultada. O peso dos cobertores, o silêncio do quarto, o peso da terra, o silêncio da morte. E a noite que cai pelo quadrado da clarabóia. Eu a desejar que a morte venha. Que o próximo batimento do meu coração seja um silêncio profundo. Que de mim não reste nada mais que o meu número de morta espetado num monte de terra. A brisa fria do sepulcro que a morte sopra. A solidão daquilo que fui um dia. Eu na noite, nesta tarde que é uma noite escura, como todas as manhãs escuras. O peso da vida sobre os cobertores. O engano da vida. Eu à espera da morte. A conhecer o meu destino, mas a não acreditar nele. A querer acreditar nele, mas a não suportar acreditar nele. Eu morta. E a desejar que o sol não se torne a levantar pelo quadrado da clarabóia.