Wednesday, August 26, 2009

Monday, August 10, 2009

Não se pode reconhecer uma chinesa pelos pés,
mas pode-se adivinhar um homem pelo cheiro.

Thursday, August 6, 2009

Choveu no último dia.

As nuvens a dissolverem-se sobre as nossas cabeças e o metro fechado.

Choveu, como as lágrimas que chorámos em cima da roupa atirada à pressa para dentro da mala. Os beijos, os olhares, as promessas, os corpos sôfregos de união e o tempo obstinado a separá-los.

O amor a adiar a despedida.

A água escorria pela tua mão pousada na superfície seca do vidro da janela. O desespero impotente de um gesto perante o espaço e o tempo. O teu corpo a esmorecer à medida que o teu olhar focava cada vez mais longe o farrapo que eu era.

Eu, um miserável apêndice de uma mala de viagem.

A mirrar. Um balão atado por uma criança ao ferro da cama, e esquecido. Eu era esse balão, aquilo que existia para além de nós, era a criança.

O espaço em mim a consumir-se e a sua superfície a enrugar.

A cidade uma última vez e as nuvens. A tua sombra distendida pelo soalho em frente à janela.

Na cabeça, os beijos, os olhares, as promessas… As palavras inconcebíveis.

E o tempo e o espaço, e o universo para além de nós.

Implacáveis.

Monday, August 3, 2009

SUBA PARA ESQUECER

Sunday, August 2, 2009

A velha vestida de preto está parada, imóvel entre as árvores carbonizadas do cemitério. As chamas devoraram as cruzes e as fotografias que jaziam nas campas, e não podendo trespassar a frieza da pedra, uniram-se num calor imenso que matou os mortos pela segunda vez. A alvura sepulcral do mármore é agora negra.

Os olhos da velha olham de frente os seus pensamentos, indiferentes. De perfil vê-se a transparência do seu olho, o espaço vítreo logo a seguir à íris: a tristeza concentra-se aí, no sítio onde os pensamentos e os desejos que emanam da sua cabeça chocam com a realidade que os seus olhos vêem. A velha sabe que a negritude da cena é apenas a expansão do sentimento que habita dentro de si. Também a ela já lhe apeteceu por várias vezes fazer do corpo uma tocha e incendiar o mundo. Tenho o dever de viver. Não posso impedir a morte, não posso obrigar o amor… Subjugar-me a toda estas leis mundanas, perceber no fim de que não passo de um acto de presunção que Deus executou ao sexto dia. A grandiosidade da criação levada aos ombros pela tacanhez humana. Sim. Dever. A nossa impotência é o resultado da omnipotência de Deus.

Pisa a camada fofa de cinza e atravessa a ponte. Observa as suas pegadas solitárias. A cidade ao longe parece-lhe absurda, a sucessão de dias, a repetição nascer do sol pôr do sol, os subterfúgios que a humanidade inventou para se demarcar como animal civilizado, parecem-lhes absurdos. Tudo lhe parece tão despropositado, tão vazio, que a melhor resposta ao sol quando nasce é deitar-se a velha a desejar que a morte lhe chegue. Provavelmente não aguentarei até ao fim, pensa. Talvez um dia crave, com toda a sua resignação fingida, a navalha no pescoço. O sangue a espirrar ao ritmo dos últimos batimentos do seu coração e no final uma mancha vermelha contrastando com as cinzas da cidade.

A velha poderia rezar, mas ao oitavo dia Deus todo poderoso fugiu desta terra com a roupa que trazia no corpo.